'Pular a cerca' faz fêmea de grilo ter bebê mais saudável
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'Pular a cerca' faz fêmea de grilo ter bebê mais saudável
Uma linha muito, muito fina separa as simplificações úteis, que ajudam a resumir de forma sucinta e relativamente precisa um conjunto de fatos, dos estereótipos grosseiros, que só servem para confundir a cabeça da gente. Quer um exemplo? O papel biológico do sexo feminino. Como elas tendem a produzir relativamente poucos óvulos perto da quantidade astronômica de espermatozóides fornecida por eles, parece fazer sentido que copulem com apenas um macho escolhido a dedo – afinal, já têm trabalho suficiente com a geração dos bebês. A promiscuidade, desse ponto de vista, teria vantagens apenas para o lado masculino da equação. OK. Agora ligue para as fêmeas dos grilos pra ver se elas caem nessa conversinha.
Eu explico: um conjunto intrigante de observações está começando a demolir esse machismo biologicamente institucionalizado, revelando que ceder aos encantos de múltiplos machos pode fazer um bem considerável às fêmeas e aos seus futuros bebês – ao menos em algumas espécies, entre as quais um grilo típico da Oceania. De quebra, outro quase-dogma tende a bambear: a idéia de que a qualidade genética do papai é a única contribuição masculina para a boa saúde dos bebês. O maluco aqui é que, sem querer, um macho pode contribuir para o sucesso dos ovos fertilizados por outrem – uma situação quase tão constrangedora quanto um humano corneado que acaba criando os filhos da mulher com o amante.
Antes de mais nada, vamos conhecer o protagonista desse dramalhão: o grilo australiano Teleogryllus oceanicus, cuja vida sexual está sendo esmiuçada por Francisco García-González e Leigh Simmons, dupla do Centro de Biologia Evolutiva da Universidade da Austrália Ocidental. No caso dessa espécie, um fato já estava estabelecido: fêmeas promíscuas produzem mais ovos viáveis do que as que se limitam a cruzar com um único macho. Para as “grilas”, portanto, vale a pena ser infiel.
Uma série de outros fatores também parece contribuir para as chances de sobrevivência dos filhotes. Um deles é a constituição genética dos machos, claro. E outro, curiosamente, é o tamanho das chamadas glândulas acessórias – mais ou menos equivalentes à próstata e outros tecidos produtores de esperma em machos humanos. Em diversos insetos, os produtos das glândulas acessórias (a conta não inclui os espermatozóides propriamente ditos) parecem estimular o acúmulo de nutrientes nos ovos e o próprio ato de botá-los (ou a oviposição, se você quiser uma expressão menos chã).
Promiscuidade controlada
Como determinar que vantagem, afinal, as fêmeas que cediam aos desejos de mais de um macho estavam levando? Com sexo controlado, é claro. Numa pesquisa publicada recentemente na revista científica “Current Biology”, García-González e Simmons tomam partido de uma variante genética comum entre os grilos, a chamada “olho branco”, que só aparece em animais homozigóticos. Para quem cochilou durante as aulas de genética no colegial: é preciso que tanto o pai quanto a mãe contribuam com variantes de gene (ou alelos) idênticos para que os fihotes nasçam com olhos brancos nessa espécie. Dessa forma, os cientistas têm nas mãos uma forma simples de determinar paternidade: basta cruzar fêmeas de olhos brancos com machos de olhos brancos e de olhos pretos. Todo filhote de olhos brancos necessariamente vai ser filho de um macho com as mesmas características; do contrário, o pai tem olhos pretos.
Além desse truque, os pesquisadores tiveram o cuidado de, antes de mais nada, permitir apenas cruzamentos monogâmicos. Com isso, conseguiram estabelecer quais machos, em condições de “monopólio”, produziam mais filhotes viáveis, fazendo um verdadeiro ranking de “melhores pais” entre os grilos. Depois, cada fêmea “participante” do experimento era liberada para dois machos diferentes, um de cada tipo.
Depois de muitas e muitas sessões de orgia controlada e de um baby boom de grilos, os biólogos da Austrália estavam em condições de fazer um surpreendente resumo da ópera. O que parece estar acontecendo é que a viabilidade dos filhotes produzidos pelos machos de “menor qualidade” aumenta significativamente quando as fêmeas fecundadas por eles também copularam com os machos nota 10! O contrário acontece com os embriões gerados pelos machos mais poderosos – eles perdem algo de sua viabilidade por influência dos competidores mais “fraquinhos” –, mas o efeito, nesse caso, é menor. No fim das contas, parece que o balanço líquido para as fêmeas é vantajoso – o melhor dos dois mundos, por assim dizer.
E a coisa pode ficar ainda mais bizarra. Os pesquisadores citam outro trabalho, desta vez envolvendo pseudoescorpiões (“primos” inofensivos dos escorpiões verdadeiros), no qual a produção de filhotes entre machos e fêmeas que são irmãos pode ser viabilizada caso a fêmea também copule com machos não-aparentados! (Em tese, filhos de irmãos concentram material genético ruim e tendem a ser inviáveis.) Em ambos os casos, dizem os pesquisadores, é possível que o material nutritivo produzido pelas glândulas acessórias de um macho venha “em socorro” do que falta no esperma e no material genético do outro, restaurando a saúde da prole como um todo.
Embora a biologia reprodutiva desses bichos seja muito diferente da nossa, tais resultados estão longe de ser mera curiosidade, até porque artrópodes como esses são uma fatia substancial da biodiversidade do planeta. A interação amalucada entre os participantes do ménage-à-trois sugere que é simplista demais pensar apenas em termos de genes maternos e paternos se juntando para dar origem aos filhotes. Do ponto de vista genético, os grilos gerados por um macho de baixa qualidade não devem absolutamente nada ao pai nota 10 – mas, sem as substâncias aportadas pelo esperma dele, talvez nem chegassem a nascer. E, contra todas as expectativas machistas, quem realmente ri por último é a mamãe promíscua.
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Eu explico: um conjunto intrigante de observações está começando a demolir esse machismo biologicamente institucionalizado, revelando que ceder aos encantos de múltiplos machos pode fazer um bem considerável às fêmeas e aos seus futuros bebês – ao menos em algumas espécies, entre as quais um grilo típico da Oceania. De quebra, outro quase-dogma tende a bambear: a idéia de que a qualidade genética do papai é a única contribuição masculina para a boa saúde dos bebês. O maluco aqui é que, sem querer, um macho pode contribuir para o sucesso dos ovos fertilizados por outrem – uma situação quase tão constrangedora quanto um humano corneado que acaba criando os filhos da mulher com o amante.
Antes de mais nada, vamos conhecer o protagonista desse dramalhão: o grilo australiano Teleogryllus oceanicus, cuja vida sexual está sendo esmiuçada por Francisco García-González e Leigh Simmons, dupla do Centro de Biologia Evolutiva da Universidade da Austrália Ocidental. No caso dessa espécie, um fato já estava estabelecido: fêmeas promíscuas produzem mais ovos viáveis do que as que se limitam a cruzar com um único macho. Para as “grilas”, portanto, vale a pena ser infiel.
Uma série de outros fatores também parece contribuir para as chances de sobrevivência dos filhotes. Um deles é a constituição genética dos machos, claro. E outro, curiosamente, é o tamanho das chamadas glândulas acessórias – mais ou menos equivalentes à próstata e outros tecidos produtores de esperma em machos humanos. Em diversos insetos, os produtos das glândulas acessórias (a conta não inclui os espermatozóides propriamente ditos) parecem estimular o acúmulo de nutrientes nos ovos e o próprio ato de botá-los (ou a oviposição, se você quiser uma expressão menos chã).
Promiscuidade controlada
Como determinar que vantagem, afinal, as fêmeas que cediam aos desejos de mais de um macho estavam levando? Com sexo controlado, é claro. Numa pesquisa publicada recentemente na revista científica “Current Biology”, García-González e Simmons tomam partido de uma variante genética comum entre os grilos, a chamada “olho branco”, que só aparece em animais homozigóticos. Para quem cochilou durante as aulas de genética no colegial: é preciso que tanto o pai quanto a mãe contribuam com variantes de gene (ou alelos) idênticos para que os fihotes nasçam com olhos brancos nessa espécie. Dessa forma, os cientistas têm nas mãos uma forma simples de determinar paternidade: basta cruzar fêmeas de olhos brancos com machos de olhos brancos e de olhos pretos. Todo filhote de olhos brancos necessariamente vai ser filho de um macho com as mesmas características; do contrário, o pai tem olhos pretos.
Além desse truque, os pesquisadores tiveram o cuidado de, antes de mais nada, permitir apenas cruzamentos monogâmicos. Com isso, conseguiram estabelecer quais machos, em condições de “monopólio”, produziam mais filhotes viáveis, fazendo um verdadeiro ranking de “melhores pais” entre os grilos. Depois, cada fêmea “participante” do experimento era liberada para dois machos diferentes, um de cada tipo.
Depois de muitas e muitas sessões de orgia controlada e de um baby boom de grilos, os biólogos da Austrália estavam em condições de fazer um surpreendente resumo da ópera. O que parece estar acontecendo é que a viabilidade dos filhotes produzidos pelos machos de “menor qualidade” aumenta significativamente quando as fêmeas fecundadas por eles também copularam com os machos nota 10! O contrário acontece com os embriões gerados pelos machos mais poderosos – eles perdem algo de sua viabilidade por influência dos competidores mais “fraquinhos” –, mas o efeito, nesse caso, é menor. No fim das contas, parece que o balanço líquido para as fêmeas é vantajoso – o melhor dos dois mundos, por assim dizer.
E a coisa pode ficar ainda mais bizarra. Os pesquisadores citam outro trabalho, desta vez envolvendo pseudoescorpiões (“primos” inofensivos dos escorpiões verdadeiros), no qual a produção de filhotes entre machos e fêmeas que são irmãos pode ser viabilizada caso a fêmea também copule com machos não-aparentados! (Em tese, filhos de irmãos concentram material genético ruim e tendem a ser inviáveis.) Em ambos os casos, dizem os pesquisadores, é possível que o material nutritivo produzido pelas glândulas acessórias de um macho venha “em socorro” do que falta no esperma e no material genético do outro, restaurando a saúde da prole como um todo.
Embora a biologia reprodutiva desses bichos seja muito diferente da nossa, tais resultados estão longe de ser mera curiosidade, até porque artrópodes como esses são uma fatia substancial da biodiversidade do planeta. A interação amalucada entre os participantes do ménage-à-trois sugere que é simplista demais pensar apenas em termos de genes maternos e paternos se juntando para dar origem aos filhotes. Do ponto de vista genético, os grilos gerados por um macho de baixa qualidade não devem absolutamente nada ao pai nota 10 – mas, sem as substâncias aportadas pelo esperma dele, talvez nem chegassem a nascer. E, contra todas as expectativas machistas, quem realmente ri por último é a mamãe promíscua.
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