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Olhai os Lírios do Campo

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Mensagem por Hi-Tech 18/07/10, 11:52 am

Capa do Livro

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Autor: Érico Veríssimo
Editora: Companhia das Letras
Ano de lançamento: 1938
Lançamento da Edição Centenária (Capa acima): 2005

Análise da obra

Olhai os lírios do campo é um dos mais famosos de Érico Veríssimo e foi publicado em 1938 - Modernismo de Segunda Fase.

A ambientação urbana da história dá margem à abordagem dos efeitos de um capitalismo devastador sobre a vida dos personagens. O romance narra a trajetória existencial do personagem principal, Eugênio, seus contatos sociais e seus dilemas interiores. Portanto, a narrativa centra-se em seus conflitos e vicissitudes.

Nesta obra deve-se destacar o lirismo romântico da história de Eugênio, descobrindo que o dinheiro não traz felicidade, exatamente nos moldes do romance urbano de 30, de caráter socialista. Destaca-se também sua ambição traçada a partir de uma vida difícil, que alimenta-o de amargor e determinação na busca de sua afirmação material. E ainda, o grande sucesso dessa dramática história de amor, pode ser creditado à habilidade do autor de construir personalidades psicológicas complexas: ninguém é só bom nem só ruim na obra.

Para retratar essa relação problemática do homem com a sociedade, Érico Veríssimo construiu o romance Olhai os lírios do campo de maneira que o personagem principal fosse mostrado em dois momentos. No primeiro momento, ele é conduzido, em seus comportamentos, pelas expectativas sociais; obedece aos valores de sua classe, é incapaz de perceber-se enquanto ser. Ele faz de tudo para ter sucesso e ser aceito: trabalha em função de uma máscara e não do próprio rosto. No segundo momento, o romancista mostra os processos de transformação de Eugênio: da condição de indivíduo coisificado, guiado mais pela expectativa dos outros do que por si mesmo, para a condição de indivíduo autônomo e consciente de si, sujeito de suas próprias decisões.

A narrativa, portanto, se divide em duas partes com 12 capítulos cada uma, sendo a primeira o cruzamento de dois níveis temporais: o presente e o passado. Assim, nesta narrativa de vários planos temporais, entrelaça-se uma crítica à sociedade fútil e vazia, ao acúmulo de riquezas e à conseqüente hipocrisia das relações sociais. A primeira parte é intensa e cheia de um interesse que jamais enfraquece. Na segunda parte, porém, esse interesse declina, e a história se dilui numa série de episódios anedóticos sem unidade emocional.

Ambiente

O ambiente do romance é a cidade de Porto Alegre. As personagens vivem na metrópole de ruas movimentadas, tráfego intenso, automóveis, telefones, cinemas e teatros; edifícios altos, gente rica, monopólios; gente pobre, sindicatos, miséria e doença. Vivem os movimentos da contradição e da crise.

Foco narrativo

Toda a narrativa é formalmente estruturada na terceira pessoa a partir de um ponto de vista externo do narrador.

Personagens

Eugênio Fontes: homem profundamente pessimista, infeliz e complexado. Profissão: médico. Filho de um alfaiate pobre, Eugênio teve uma infância e adolescência cheias de dificuldades. À medida que ia crescendo, nutria um misto de vergonha e repúdio a si mesmo em decorrência da pobreza de sua família. Sua motivação era "ser alguém", adquirir posição social e não ter que passar pelas humilhações que julgava ter passado na infância. Na faculdade, conhece uma jovem, Olívia, pela qual se apaixona e nutre um relacionamento de amizade, cumplicidade e amor. Porém, devido a sua ambição, Eugenio deixa Olívia para casar-se com uma jovem rica. Passa a viver uma vida de aparências, adultérios e eternas contradições, deixando para trás seu verdadeiro amor e a filha que teve ela, Anamaria.

Olívia: grande amor de Eugênio e colega de trabalho. Olívia é mais uma das clássicas figuras femininas de Érico, que transparece doçura e compreensão frente às inquietudes dos personagens masculinos, mas que não esconde uma grande força e determinação. Assim como Eugenio, Olívia cursa a faculdade de medicina em Porto Alegre com dificuldades. A sua visão realista e compreensão do comportamento humano fazem com que ela encare seu relacionamento com Eugenio de forma honesta, entendendo as limitações que este poderia ter em virtude da ambição e das eternas contradições emocionais do médico. Olívia também pode ser encarada, de certa forma, como uma representante feminista de Erico, pois apesar de aceitar as limitações de Eugenio, ela luta em manter a carreira de médica e cria a filha Anamaria sozinha.

Eunice: esposa de Eugênio. Rica, fútil e vazia. Filha do empresário Vicente Cintra, conquista Eugênio com sua fortuna, casando-se com ele e se tornando a oportunidade de que o médico necessitava para se destacar na sociedade.

Angelo: pai de Eugênio. O próprio Eugênio nos revela pormenores sobre seu pai e seus sentimentos para com ele:

Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento. Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil... Um homem magro e encurvado, mal vestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha ele subindo a rua. Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal-estar. Desejou - com que ardor, com que desespero! - que o velho atravessasse a rua, mudasse de rumo. Seria embaraçoso, constrangedor se Ângelo o visse, parasse e lhe dirigisse a palavra. Alcibíades e Castanho ficariam sabendo que ele era filho dum pobre alfaiate que saía pela rua a entregar pessoalmente as roupas dos fregueses... Haviam de desprezá-lo mais por isso. Eugênio já antecipava o amargor da nova humilhação. Olhou para os lados, pensando numa fuga.
Inventaria um pretexto, pediria desculpas, embarafustaria pela primeira porta de loja que encontrasse. Ouvia a voz baixa e calma de Castanho... o "conceito hegeliano..." Podia entrar naquela casa de brinquedos e ficar ali escondido, esperando que Ângelo passasse... Hesitou ainda um instante e quando quis tomar uma resolução, era tarde demais. Ângelo já os defrontava. Viu o filho, olhou dele para os outros e o seu rosto se abriu num sorriso largo de surpreendida felicidade. Afastou-se servil para a beira da calçada, tirou o chapéu.
- Boa tarde, Genoca! - exclamou.
O orgulho iluminava-lhe o rosto.
Muito vermelho e perturbado Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado pelo gesto do homem.
A sensação de felicidade, entretanto, desaparecera de Eugênio. Sentia-se culpado. O que acabara de fazer era desumano, ignóbil, chegava a ser criminoso. Por que se envergonhava do pai? Não era um homem decente? Não era um homem bom? Não era, em última análise, seu pai?
Ainda havia tempo de reparar o mal que fizera. Podia voltar, tomar Ângelo pelo braço, carinhosamente, subir a rua com ele... Por que não fazia isso? "... aquele trecho do Banquete..." - dizia Castanho. Sim, beijar a mão do pai, confessar-lhe a culpa, dizer do seu remorso, pedir-lhe perdão, humilhar-se. Mas lá se ia acompanhando os outros como um autômato. Voltou a cabeça, procurando. Ângelo tinha desaparecido.

Dr. Seixas: amigo de Eugênio e médico de pobres. Único personagem que tem características humanas. Veríssimo pôs neste homem verdade: animou-o por dentro, deu-lhe reflexos, deu-lhe instintos, deu-lhe uma maneira de ser de pessoa viva. Personagem surgido “acidentalmente”, segundo o autor do romance, Dr. Seixas é um exemplo de personagem autônomo. É um médico pobre, grande, barbudo e de ar agressivo. Sua voz era igualmente áspera e peluda, sua fala desbocada, mas seus olhos refletiam bondade. Idealista, ele critica tanto a exploração capitalista do médico e o desprezo do sistema econômico pelo ser humano como o valor conferido ao dinheiro: Seu Eugênio, ouça o que lhe digo. O dinheiro é uma coisa nojenta. Um sujeito decente não se escraviza a ele.(p.183). Ele lutava contra essa escravidão e pela igualdade de direitos entre as pessoas, contagiando Eugênio e levando-o a uma nova concepção da profissão. O Dr. Seixas encarna duas concepções de vida que mantêm entre si relações opostas: uma utópica, confiante, e outra, pessimista. Para Dr. Seixas, sucesso era conseguir salvar a vida de alguém e aliviar a dor dos outros. Ele reconduz Eugênio, como médico, ao mundo da desigualdade e da pobreza, universo do qual ele, como profissional, sempre tentara fugir.

Anamaria: filha de Eugênio e Olívia. Ela ajuda a manter viva na lembrança de Eugênio a presença de Olívia e, ao mesmo tempo, como criança que é, sinaliza para a esperança e a confiança de que o futuro pode ser diferente. Anamaria simboliza a insistente afirmativa de Olívia de que a vida é feita de recomeços. A menina tem os olhos sérios e profundos de Olívia e, ao mesmo tempo, desconfortáveis como os do pobre Ângelo, pai de Eugênio. Sua presença retoma duas figuras diante das quais Eugênio precisa se redimir: seu pai, que foi por ele desprezado, e a própria Olívia, que ele abandonou por um casamento de conveniência. A presença da filha suscita-lhe interrogações e o obriga a tomar decisões sensatas e responsáveis para com os outros. Anamaria lhe permite uma compreensão da miséria humana e da necessidade de que o conjunto das ações dos homens seja orientado para minimizá-la.

Observação: Devemos destacar que a dedicação, o altruísmo e a nobreza de Olívia parecem inumanos. Não convencem. Pouco convincente também é a covardia de Eugênio. A cena em que o vemos a fazer a sua primeira operação, do ponto de vista da mera redação, está razoavelmente bem feita; do ponto de vista da verdade psicológica, porém, é um absurdo. Um homem de estômago fraco e que tem horror ao sangue jamais se dedicaria à cirurgia e, se se dedicasse, com o tempo acabaria por habituar-se a cortar a carne dos pacientes sem que isso lhe provocasse arrepios, náusea ou medo. Acaso não teria ele, como estudante, freqüentado o necrotério e os ambulatórios da Santa Casa?

Enredo

Na primeira parte, merecem destaque a imagem inicial que o personagem faz de si mesmo e os valores que a engendram.

Em flashback, temos o tempo presente: Eugênio dentro do carro em direção ao hospital para reencontrar sua amada Eugênia, rememorando os fatos que fazem parte do seu passado, onde, junto a ele, relembramos sua infância, seus traumas, seus aprendizados com Olívia, o casamento com Eunice, a frustração, o sentimento de se ter vendido para vencer.

Eugênio era um menino tímido e medroso. Teve uma infância pobre, era ridicularizado na escola e tinha como objetivo máximo a ascensão social, faria de tudo para um dia vencer na vida. Achava que o que tinha era feio e sem graça, das roupas até o seu próprio corpo. Não se entrosava com os demais colegas de classe e por isso devotava todo o seu tempo aos estudos. Sonhava em deixar de ser simplesmente o Genoca para ser o Dr. Eugênio Fontes.

Tinha pena do pai, o alfaiate Ângelo, com quem não conseguia se comunicar facilmente. O seu irmão, Ernesto, não esmerava-se na educação e acabou perdido na vida. Com muito esforço, Eugênio consegue cursar Medicina. Na Faculdade conhece Olívia - única mulher da turma. Na festa de formatura os dois se aproximam e fazem sonhos e confissões juntos, sobre o futuro. Tornam-se grandes amigos.

Durante a revolução de 30, após uma operação mal sucedida no hospital militar, Olívia convida Eugênio a sua casa e passam uma noite de amor. Dias depois, Olívia recebe uma proposta para trabalhar em Nova Itália, e novamente se entrega aos braços de Eugênio.

Durante um atendimento médico, Eugênio conhece Eunice Cintra - filha de um riquíssimo proprietário. Eugênio casa-se com Eunice com objetivo único de ascender socialmente. O sogro trata de arranjar um emprego de fachada ("assinar documentos") numa de suas fábricas. Eugênio começa a freqüentar a alta sociedade, mas não se sente parte dela. O seu complexo de inferioridade aumenta ao ver os contrastes desse outro mundo, de emoções contidas, de meias-palavras. Conhece pessoas como Filipe Lobo, construtor obstinado a construir o "Megatério", um arranha-céu, mas não se importava com a família. Infeliz e perturbado, Eugênio reencontra Olívia que lhe apresenta a sua filha, fruto do último encontro dos dois, Anamaria. Ao chegar no Hospital onde estava Olívia, recebe a notícias de sua morte.

Na segunda parte, destaca-se o papel desempenhado pelo entrecruzamento de vozes que afetam a imagem inicial do protagonista, conduzindo-o a uma progressiva mudança de posição perante a existência.

Aqui temos o passado. Esta segunda parte desenvolve-se de maneira mais linear, embora o passado se misture ao presente da filha. Passa-se após a morte de Olívia e é intercalada com a leitura das cartas que ela escreveu para Eugênio sem nunca ter enviado. Eugênio toma coragem e separa-se de Eunice - apesar de todos os inconvenientes sociais. Vai além, passa a ser um médico popular, com idéias de socializar a medicina. Trabalha com o Dr. Seixas, um velho médico que sempre atendeu aos pobres. A memória de Olívia, nas cartas, nas fotos ou no olhar de Anamaria, o fortalece quando pensa nas dificuldades.

O médico tornou-se na sociedade atual, aquele mediador entre a ciência, a técnica e o sentimento humanitário. Pensando primeiro em si mesmo, egoisticamente, Eugênio evolui para a solidariedade, através das colocações de Olívia, que embora morta, é um personagem presente no romance, fazendo contraponto com Eugênio.

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Última edição por Hi-Tech em 20/07/10, 01:40 pm, editado 1 vez(es)
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Mensagem por Paul! 18/07/10, 01:49 pm

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